DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 1992.
SEÇÃO COTIDIANO
Separatismo no Brasil cria ‘apartheid cover’
Antropólogo acha que fenômeno é resultado da decepção
do brasileiro com seu país e teme ideologia racista
NOELY RUSSO
Da Reportagem Local
Como seria um país formado pelos Estados de São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul? Almoço à base de sushi,
churrasco e macarronada. À sobremesa, bolo de fubá. Na moda, nada de arroubos
sensuais dos cariocas: tradição e sobriedade são a regra. Já no futebol, a seleção
desse país hipotético é imbatível.
A secessão fantasiosa do Brasil não passa de
“decepção com o país atual, incapaz de fazer parte do Primeiro Mundo”, na
opinião do antropólogo e professor da Universidade Notre Dame, em Indiana
(EUA), Roberto da Matta, 55. Diferentemente do que ocorre na Europa de hoje, o
Brasil não é clivado por nacionalidades distintas, justapostas por caprichos
geopolíticos: “Trata-se da mesma raça, mesma língua, mesma história, mesma
nação”, afirma. Segundo o antropólogo, o Brasil deve se cuidar para não cair
“em uma ideologia racista, nazista”, imposta pelas dificuldades econômicas
atuais.
“Falataria tempero. Faltaria carioca e bom-humor.
Esse país seria uma chatice”, sentencia da Matta. E prevê: no cardápio, a
monotonia de pizza 365 dias por ano.
O gastrônomo Sílvio Lancellotti discorda: “A comida
desse país hipotético seria universal. Uma refeição começaria com sushi. Teria
macarronada e churrasco como pratos principais e terminaria com um bolo de
fubá”, diz. Segundo Lancellotti, a comida uniria a gastronomia brasileira e uma
grande variedade de cozinhas européias. Lancellotti diz ser totalmente
contrário à secessão.
A empresária de moda Constanza Pascolatto acha que
“as luheres do sul gostam e usam cores fortes, mas não aprovam estampas muito
espantadas”. Segundo ela, o novo país seria incapaz de ditar qualquer moda. “O
Brasil só dita moda-praia, biquínis e maiôs. Essa moda vem do Rio. Se o Rio
estivesse fora, teríamos que atravessar a fronteira para ficar em dia com essa
moda”. A empresária também descarta o separatismo.
Para o técnico de futebol do Palmeiras, Nelsinho, a
seleção nacional não teria problemas. “O melhor futebol do país está em São Paulo. Temos
grandes valores no sul. No Palmeiras, onde trabalho, só existe um jogador que
nasceu em São Paulo
ou no interior.” O time de Nelsinho não ganha um campeonato há 16 anos. O
técnico revela que o único jogador com lugar garantido em sua seleção seria o
atacante corintiano “neto: “Ele é jogador para qualquer seleção”. Apesar do entusiasmo,
Nelsinho é a favor da unidade do Brasil.
Presidente do Partido Nacional
Nordestino se finge de italiano para vender macarrão
‘Giuseppe”
volta às origens de vaqueiro de Caicó e sonha com o Nordeste-Nação
O nome de batismo é José Firmino Araújo. Mas se você
perguntar, ele dirá que Giuseppe Gomes. Nascido em Natal (RN), ex-vaqueiro em
Caicó e carregador do Mercado Central da Cantareira, hoje tem quatro cantinas em São Paulo, uma
lavanderia industrial e vários imóveis. Mora numa casa em Alphaville e ainda
sonha com a presidência. Não a do Brasil. Firmino, 42, quer ser presidente do
Nordeste.
Para isso trabalha na criação do Partido Nacional
Nordestino (PNN), no qual ele se “elegeu” presidente. A linha da legenda já
está definida: “Nem muito social nem muito esquerdona. É mezzo a mezzo,
centro.”
Firmino avisa que o programa também está pronto.
Questionado ele detalha: “Saúde, escola.” A ideia original é uma divisão do
país, proposta que inspira o logotipo do PNN:
um mapa do Brasil com a região nordeste destacada, desenhada no centro
de uma bandeirinha azul.
“Acho que o Brasil é muito grande para um presidente
só cuidar de tudo. A nação seria uma só, mas a Amazônia teria um presidente, o
Nordeste outro governante”, esclarece.
Até o momento, o PNN é uma sigla-fantasma. Apesar de
ter sede na rua Heitor Penteado, em São Paulo, não tem registro em Brasília. Cerca de
150 pessoas, segundo o “presidente”, estão trabalhando na sua formação, além de
familiares em lugarejos do sertão. “Não vou ser outro Enéas. O partido vai
nascer forte. O grosso será nordestino.”
Ex-malufista e candidato derrotado a deputado federal
pelo Partido Republicano Paulista (PRP)
[Nota: procederá esse informação ? Acho que não, o PRP aqui é o do
Adhemarzinho e já tinha o mesmo significado de hoje – Partido Republicano
Progressista] , Firmino diz que agora, depois de bem sucedido no ramo da comida
italiana, resolveu com o PNN “voltar às origens”. Ele estudou até a 4ª série e
escondia seu verdadeiro nome desde os anos 70, quando começou a trabalhar em
cantinas.
“O nordestino é massacrado nas grandes cidades. Se eu
dissesse que era nordestino, para vender macarrão ficava meio chato, né? Quando
eu era carregador, me diziam: sai daí cabeça-chata, pega aí pau-de-arara.” O
nome Giuseppe foi uma sugestão do dono do restaurante Via Veneto, onde aprendeu
a fazer massas. “O Eloy Suzigan é que dizia que eu precisava esquecer esse
negócio de nordestino. Achei que seria bom. Mas sempre fiz isso para construir
meu patrimônio.”
Foi o que ele fez me 1966 (quando chegou a São Paulo
após “28 dias de “pau-de-arara) a 1980, ano em que abriu o Remo e Rômulo, seu
primeiro restaurante, com “nome inspirado na história dos fundadores de Roma,
que foram alimentados por uma loba” – revela, didático. Abriu com 13 mesas.
Hoje tem 70.
Firmino contou com a colaboração da mulher na
construção do patrimônio. Maria Irene, filha de um industrial português, o
ajudou a abrir a casa onde o Giuseppe passa pelo menos 12 horas por dia. “O
Japão deu certo por eles só dormem três horas. O brasileiro dorme demais”, diz.
O presidente do PNN, se fosse presidente da República
mandaria fechar as fronteiras: “Hoje, a manga de cem gramas fica aqui e a de
meio quilo vai pra fora”, justifica.
Brizola
quer cadeia para os separatistas
Da Reportagem
Local
“Lugar de separatista é naquele lugar”, afirma o
gaúcho governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Para ele, “só um louco,
irresponsável ou vendido a interesses estrangeiros” poderia pretender “a
desintegração nacional”. “Quem se apresentar com essas ideias é motivo de
processo de lesa-pátria”, afirma.
Brizola diz se considerar um radical a respeito da
unidade do país. “Conheço meu povo. Gaúcho é brasileiro por opção. Nas disputas
entre Espanha e Portugal pela posse do território do sul, o povo gaúcho, que
ali nasceu, acabou fazendo guerra para se integrar ao Brasil”. Brizola diz que
a atual situação da representatividade dos Estados é “contingência da situação
do país”. “Quem tem direito de formular um programa nacional, não somos nos do
sul, mas nossos irmãos do nordeste”, afirmou o governador.
O governador de São Paulo, Luiz Antonio Fluey Filho
também se mostra contrário à separação do Brasil. “São Paulo sempre recebeu os
brasileiros de todas as origens, sem discriminação. Brasileiros que contribuem
para seu progresso das mais variadas diversas formas, juntamente com imigrantes
de diferentes países. Não é legítimo, nem justo, qualquer tipo de
discriminação.”. (NR)
CONSTITUIÇÃO
IMPEDE RACHA NA REPÚBLICA, DIZ JURISTA
Da Reportagem Local
O tributarista Ives Gandra Martins afirma que só uma
revolução poderia cindir o Brasil em mais de um país, “A Constituição não
permite sequer a apresentação de emendas com tal propósito”, diz.
Gandra acha que a economia do sul pode ser comparada
à de países do primeiro Mundo. “Mas separar não é a solução. Deve-se brigar por
uma nova regra na representatividade dos Estados do sul no Congresso Nacional.
O problema no Brasil é que existe um governo de Terceiro Mundo mandando em país
de Primeiro. É um absurdo que um terço do eleitorado do Brasil eleja dois
terços do Congresso, afirma.
Segundo Gandra, 99,7% dos tributos arrecadados no
Estado de São Paulo são repassados ao restante do país. “Não acho que a culpa
seja dos nordestinos. Acho injusto que os marajás políticos do nordeste
desfrutem do trabalho dos servos do sul”, afirma.
O economista Yoshiaki Nakano, 47, professor da
Fundação Getúlio Vargas e ex-assessor do ex-ministro da Economia Bresser
Pereira, não considera que o país dos sonhos dos sulistas possa vir a ser de
Primeiro Mundo. “O PIB e a renda per capita não dão as dimensões da situação
social do país. Há muita pobreza e desigualdade social em São Paulo e no Rio
Grande do Sul. Isso não existe em países desenvolvidos, onde a distribuição de
renda é mais igual”, afirma. Nakano diz, porém, que o país seria viável. “Se o
Brasil inteiro é viável e subsiste, porque parte dele, a mais rica, não
sobreviveria?”
O economista afirma que o novo país perderia fontes
de riqueza como minérios, madeira e produção agrícola e pecuária, fortes na
região central do Brasil.
Segundo a diretora da Faculdade de Economia da
Universidade federal do Rio Grande do Sul, Yeda Rorato Crusius, 47, os números
da economia do país idealizado podem ser equiparados aos do Primeiro Mundo.
“Esse país hipotético tem condições de subsistir e de melhorar seus padrões de
vida. Tem indústria e agricultura para se manter. O sul do país produz
alimentos para sua subsistência e ainda exporta excedentes para outras
regiões.”
Apesar disso Yeda se diz contrária à separação. “Não
são os nordestinos que nos atrapalham. É o sistema de governo que não cria
regras capazes de coibir a corrupção e a desigualdade social. É a ignorância e
falta de vontade política de fazer o Brasil se desenvolver”, afirma. (NR)