terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Uma década

A uma década eu escrevi essa postagem: http://lusosp.blogspot.com/2010/01/aflicoes.html

Ali eu dizia pra mim mesmo, para ver, lá em 2018 o que eu já havia conquistado.

Estamos em 2020 e a pergunta fica. O que eu conquistei. Moro na mesma casa. Durmo na mesma cama, com os mesmos travesseiros. A pintura da parede do meu quarto ainda é a mesma. O ambiente é exatamente o mesmo.

Dez anos e eu não tenho mais pai. 

Dez anos e ainda não me casei.

Dez anos passados e trinta anos, afinal, como completo pagão.

Dez anos passados e ganhei uma profissão e uma carreira.

Dez anos de vida onde li mais do que nos vinte anteriores. Aprendi a escrever melhor. Li muitos livros.

Fiz uma faculdade completa. Três incompletas. Três pós graduações começadas e não terminadas.

Ganhei a felicidade de ter hoje seis gatos.

Estou na mesma igreja, da mesma forma em que estava em 2010.

Tenho hoje um bom carro, que não podia ter naquela época.

Tenho mais maturidade, mas tenho a mesma tristeza.

Muitos sonhos ainda são os mesmos. Ainda não fui capaz de realizá-los. Outros tantos foram acrescentados. 

Conheci algumas pessoas com as quais estabeleci contato regular.

Não me casei. Não conquistei a única mulher que amei. 

Não há razão para ingratidão. Há motivos para agradecer. E há o desejo de ir a frente. Até onde ir? A tragédia de uma existência promissora, de fracassos retumbantes.

Ah, não posso me esquecer: fundei um movimento político separatista, dei entrevistas para a Veja, o Estadão, o Uol, IG, R7 e outros meio de comunicação. Apareci na Tv do metrô! Ajudei a fazer o separatismo um assunto nacional em 2010. Vi nascer uma corrente política que hoje manda no país. Dei palestras, viajei em quatro estados por causa do separatismo. Escrevi muito sobre isso. Hoje sobram histórias que um dia poderei contar a quem tiver interesse.

Em 2030 o que eu poderei registrar? Na beira dos trinta anos eu aprendi que o ritmo da minha existência é lento. É como uma esteira rolante entre as estações Paulista e Consolação. Muitos vão mais rápido, mas, parado, chego ao mesmo destino. Em 2030 ainda estarei aqui para escrever um novo texto? Estarei aqui mental e fisicamente? Terei avançado na esteira ou ela vai quebrar na metade do caminho?

Indo ao mercado de madrugada

Estive esses dias indo no mercado de madrugada. Pelo que eu saiba, hoje em São Paulo são poucos os mercados que não fecham em nenhum momento e todos são da bandeira Extra, do Grupo Pão de Açúcar.

Tenho uma relação de afetividade com um deles, no Panamby, na Marginal Pinheiros. Ali foi, até os anos 90, um Paes Mendonça. O Paes Mendonça foi comprado pelo GPA para ampliar as lojas dos hipermercados Extra. Me lembro que nosso primeiro microondas, um aparelho Sharp, foi comprado ali. Havia uma promoção: quem comprasse um microondas daquele modelo ganharia um vôo de helicóptero sobre o Morumbi. Só ficamos sabendo da promoção na hora em que saímos do mercado, já a noite, quando os vôos já haviam terminado. Foi uma frustração pra nós.

O Paes Mendonça era um mercado de bom porte, de boa qualidade. Aliás, o senso que tenho é que até os anos 90, antes da onda dos atacarejos, os mercados todos tinham mais qualidade, no atendimento, na organização das lojas e nos produtos. Tudo isso se perdeu com os atacarejos, em troca de preços um pouco melhores.

Mas, pensando bem, há um curto período intermediário, quando parecia que em pouco tempo todos os super e hipermercados seriam do Pão de Açúcar. Essa sensação se deu justamente ali pela virada do milênio. Em toda a parte havia um Compre Bem, um Extra ou um Pão de Açúcar. Não mais existiam o Paes Mendonça e o Sé. Lembro de concorrentes tentando enfrentar esse colosso que é o GPA, como o Cândia e o Big. O Big original foi vendido ao Walmart e o Cândia não sei o que virou (acho que suas lojas foram negociadas com o Carrefour). 

Aliás, houve um período, antes do Carrefour criar o conceitos de lojas chamadas de "Carrefour Bairro", em que essa rede francesa criou, ou importou para o Brasil, o supermercado Champion. Havia um entre a Avenida do Rio Bonito e a Avenida Interlagos. Teve vida curta e logo virou um Carrefour Bairro (e lá está até hoje). 

Na Veja São Paulo dessa semana saiu uma reportagem sobre qual é o mercado com maior faturamento de São Paulo. É o Andorinha, na Zona Norte, junto com o Bergamini. São redes com as quais eu nunca mantive contato, pois estão restritas a regiões bem distantes de mim. O Andorinha fez um shopping center em torno de sua única loja, na Cachoeirinha. Tem mais de 40 caixas para passar as compras.

Mas o que eu queria dizer mesmo é que estando de madrugada no Extra, local onde não ia (não nesse horário) já fazem uns bons anos, pude notar algumas coisas:

• O público é muito rarefeito. Manter uma loja daquele porte aberta não deve dar faixas de lucro muito satisfatórias. Durante uns quarenta minutos, notei no máximo dez pessoas andando por lá, quase todas fazendo compra de pouquíssimos ítens (eu, inclusive).

• Vi homens que pareciam taxistas ou motoristas de aplicativo zanzando como alguns dos poucos clientes. 

• Um casal, aparentemente estrangeiro, muito suspeito. Seriam encarnações perfeitas daquelas pessoas que sequestram e mantém em cárcere privado por trinta anos alguém no porão.

Pena foi ter comprado uma bandeja de pão de batata com parmesão que estava mofada. Eu não notei isso na hora (acho que já estava muito cansado) e meu irmão teve que ir lá trocar. O aspecto, apesar do bolor, era muito bom. Notei que o ar condicionado estava desligado na loja, isso talvez explique a má conservação de alguns produtos, que se deterioram mais cedo.

A impressão que passa é que um hipermercado daquele, às três da manhã, é o espaço perfeito para um pederasta, um maníaco, um depressivo ou pessoas que se sentem fracassadas possam ir às compras.

Até onde sei, além do Panamby, o Extra da Brigadeiro Luís Antônio e um, na Marginal Tietê ainda são 24hs. Antigamente haviam muitas outras lojas que operavam nesse regime. Foram sumindo. Parece que ainda existe algum Sonda que não fecha. Acho que unidades menores, se abertas nesse horário, poderiam ter serventia melhor aos consumidores.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Os supermercados da minha vida

Preciso esquadrinhar as minhas memórias para poder entender a razão que me leva a gostar tanto de mercados. Pois é, isso pode parecer uma bobagem, uma questão menor, sem qualquer importância, porém não é, ela fatalmente explica algum anseio meu e parte da minha história.

Um dos posts aqui nesse blog "Saudades dos supermercados noventinos" é o que sempre me faz lembrar da existência desse diário. Sempre que vou hoje em um supermercado ou num dos muitos atacarejos que se proliferaram por toda a urbe, me lembro da infância e dos mercados que nela frequentei. Os Batateiros, no Jardim Iporanga e em Santo Amaro (depois de comprado pelo Grupo Pão de Açúcar também os da Vila São José e da Avenida Nossa Senhora do Sabará). O Reimberg, na Vila São José, na Sabará, no Jardim São Bernardo, Embú Guaçu, na Piraporinha e no Casa Grande (todos os Reimberg foram comprados pelo Grupo Pão de Açúcar e viraram Batateiros e depois Compre Bem e, finalmente, Extras, como estão até hoje). O Sé, na rua dona Benta Vieira, em Santo Amaro, atrás do Teatro Paulo Eiró. O Paes Mendonça, na Marginal Pinheiros (onde compramos um microondas Sharp, que estava funcionando até alguns anos atrás). O Eldorado, onde minha mãe comprou um skate tubarão pra mim. O Futurama da Avenida Adolfo Pinheiro, onde antes era uma concessionária Volkswagen (isso já foi de 2000 para cá e o mercado teve que se mudar para o prédio da Praça Dom Francisco de Souza, junto ao Telhanorte, por causa das desapropriações das obras do metrô). O Big, na já citada Praça Dom Francisco de Souza, que depois de adquirido pelo Walmart foi fechado e dividido entre a Telhanorte e o Futurama. Posteriormente as instalações foram demolidas e deram origem a algumas torres residenciais no local (antes da virada da primeira década do novo milênio, eu creio). O Walmart da Avenida Washington Luiz eu fui umas poucas vezes também antes do meu pai adoecer, isso logo quando abriu (mas não sei a data, talvez 2006). Também a Cooperleve, que era o mercado dos funcionários da Metaleve, na rua Suzana Rodrigues, onde hoje é a Kalunga. No Shopping SP Market havia o Superbox (virou Ricoy).O Peralta, da Avenida Morumbi (hoje Pão de Açúcar). O Higuti, na Vila São José e em Embú Guaçu. Vários Extras (Iporanga, Shopping Fiesta, Jardim São Luiz). 

Nos primeiros anos 2000 íamos muito ao Futurama, ao Sé, ao Big e no Extra do Fiesta. Depois que o Tenda Atacado abriu na Avenida Robert Kennedy, próximo de casa, passamos a ter esse atacarejo como nosso centro de consumo número 1 ( e assim permanece até hoje).

Poucas vezes me lembro de ter no Sonda do Shopping Center Sul, sobretudo por que na Rua Carlos Gomes e na João Alfredo não passavam ônibus que iam pelo Veleiros. Na Cidade Dutra só passei a frequentar o Sonda depois de adulto, quando comecei a trabalhar naquele bairro. Antes, ali havia um Supermercado chamado Tulha. 

Na minha tenra mocidade sempre ia ao mercado com meu pai. Até hoje eu suspeito que o Mal de Parkinson que ele desenvolveu foi em decorrência de uma paulada que ele levou na Avenida das Nações Unidas, de um homem que levava no ombro um caibro e que se virou, acertando a nuca do velho. Estávamos indo ao Assaí, um dos mais antigos atacadistas de São Paulo.

Na época do prefeito Celso Pitta, me recordo de ter ficado preso dentro um supermercado Yokoi, na Belmira Marin (próximo do Circo Escola), quando uma greve de perueiros estourou, fazendo com que o estabelecimento baixasse as portas com os clientes dentro, por motivo de segurança.

Hoje os supermercados de redes estão sumindo. O Sonda ainda está em expansão. Há o Pão de Açúcar, normalmente em lojas um pouco menores que cobram um valor um pouco acima de grandes Hipermercados, como o Extra (do próprio Grupo Pão de Açúcar) e o Carrefour. Vários Extras hoje duvidaram o espaço de suas lojas ou simplesmente viraram atacadistas Assaí. Dizem que o Assaí é uma mina de dinheiro para o Grupo Pão de Açúcar. Esse ramo dos atacarejos (atacados + varejo) cresce a plenos pulmões. Há muitas redes novas: Tenda, Akki, Vencedor, Giga, Maxi, Roldão, além dos já veteranos Makro, Atacadão e é claro, o Assaí. O público quer preço e produtos básicos. É isso que as pessoas buscam nesses atacarejos. Não há muita variedade de produtos, o antendimento não é personalizado, há empilhadeiras e pallets pelos corredores, coisas que você nunca vai ver no Pão de Açúcar ou no Zaffari.

Hoje, além de atacarejos como Tenda e Akki, vou com frequência no Sonda da Cidade Dutra, no Zaffari, do Morumbi, no Peg e Pese e no Sacolão São Jorge. Busco aquilo que nos atacados não se encontra: variedades e produtos frescos da padaria. Talvez aí esteja um caminho para essa criação brasileira, os atacarejos: dispôr de padarias e mais variedades de marcas.

Vivo sempre sonhando com o dia em que teria a minha rede de supermercados. É um sonho. E é uma boa coisa pra se sonhar.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A ciência dos sábios não vale a alegria dos tolos

Engenheiros devem ser mais felizes do que filósofos. A maior parte dos advogados, pelo menos aqueles mais práticos também. Todos os ofícios manuais devem dar mais satisfação à quem o exerce também.

Quem tem muito apego ao porque, às necessidades de se entender a razão de tudo, vive numa angústia total e constante. Tudo aflige, tudo atribula, tudo perturba.

No Matrix já se dizia que a ignorância é uma dádiva.

No Eclesiastes já se encontra:

"Vaidade de vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade.

E, quanto mais sábio foi o pregador, tanto mais ensinou ao povo sabedoria; e atentando, e esquadrinhando, compôs muitos provérbios.

Procurou o pregador achar palavras agradáveis; e escreveu-as com retidão, palavras de verdade.

As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos, bem fixados pelos mestres das assembléias, que nos foram dadas pelo único Pastor.

E, demais disto, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne.

De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem."

Eclesiastes 12:8-13

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Republicano

Fazer apologia da República nos dias de hoje é absolutamente desnecessário. Sua opositora, a monarquia, só é levada a sério por um pequeno punhado de conservadores, pessoas sábias e prudentes, é verdade, mas que estão apegadas mais a um símbolo, vendo nele projetada apenas a imagem de um passado glorioso idealizado.

A defesa da República que deve ser feita não é a da forma de governo, mas a da sua correta instauração, sob o princípio nunca observado no Brasil, de ser um governo "do povo, pelo povo e para o povo".

Para defender a República se exige que, conjuntamente, também se defenda a Federação.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Renascença conservadora

Há uma renascença do pensamento conservador. Estou tomando a licença de aqui não usar a palavra conservador com um sentido unicamente político, partidário e eleitoral, antes acentuando-o como oposição ao progressismo e a liberalismo (as crenças no progresso infinito e na liberdade sem restrições).

Essa renascença conservadora é resultado de um esgotamento da sociedade com o modelo político instaurado com o fim do Regime Militar, em 1985. Nossa Constituição Federal, de 1988, que permitiu a existência de um estado provedor de bem-estar social (ao menos no papel, pois a execução do projeto social democrata foi extremamente vacilante). Somemos aqui o crescimento da intolerância da sociedade com a corrupção. As operações da Polícia Federal e da Justiça, muitíssimo em especial, a Lava Jato, só poderiam ter surgido nesse momento de nossa história institucional e cultural. Ela é sim parte da resposta conservadora.

Com esse quadro, é notável a leitura e o apreço, por minha geração, de autores como G.K. Chesterton, C.S. Lewis, Roger Scruton, Jordan B. Peterson, Nikolai Berdiaev, Oswald Spengler e vários outros, somados aos naturais da terra, como Olavo de Carvalho, J.O. de Oliveira Penna, Ricardo Vélez Rodrigues, Antônio Paim, João Camilo de Oliveira Torres e vários outros. Em comum entre todos os citados temos a profunda crítica ao marxismo e ao materialismo dialético. Todos também são ignorados pela academia.

Lendo autores brasileiro, que já haviam tido contato com alguns dos pensadores citados, hoje redescobertos, têm-se a sensação de que, no Brasil, o pensamento conservador sofreu um grande hiato, que se encontra entre as décadas de 1960 e o início dos anos 2000. Quatro décadas do mais puro progressismo hegemônico.

Vivemos, finalmente, uma nova era, amparados nos mestres que tiramos das tumbas, limpando-os da terra progressista que os cobria.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Resposta ao chanceler Ernesto Araújo

Resposta minha a esse texto do sr. chanceler: "Querer grandeza"


A interpretação nacionalista da história do Brasil é um erro do começo ao fim. O historiador paulista Alfredo Ellis Júnior, deputado constituinte em 1934 e filho do senador Alfredo Ellis, muito bem já disse (cito de cabeça) que "Não existe a história do Brasil. O que existe é a soma de capítulos de histórias regionais". Entender o Brasil como império e, por consequência, plurinacional, seria o correto. Não consigo compreender como pessoas de tão elevado gabarito intelectual, que, quero crer, devem ter lido a maior parte dos ensaios que ajudaram a formar a mentalidade unionista de nossas classes letradas, ainda assim permanecem a ver o Brasil como uma nação. O conceito de nação não serve ao Brasil e traçar políticas públicas tendo por base a concepção de que somos uma só nação e um só povo é equivocado! O Brasil está mais para Austria-Hungria do que para França. É Rússia tropical, não Portugal nos trópicos. Todo o fracasso do empreendimento civilizacional no Brasil não é culpa de uma esquerda marxista, antes de uma mentalidade centralista e unionista de nossas elites, muito em especial, as do nordeste e, sobretudo, do Rio de Janeiro. Ou se acaba com o governo federal ou ele acabará com os indivíduos. Confederação ou secessão!

Livro de Alfredo Ellis Júnior, historiador paulista quatrocentão (por lado materno), fundador da cátedra de História da USP e separatista paulista declarado

Objetos voadores não ideológicos


Objetos Voadores Não Ideológicos

A cultura pós-moderna em que vivemos padece de um terrível literalismo. Muitas pessoas vão perdendo a capacidade de compreender o símbolo ou a metáfora, a ironia ou a piada, não conseguem transitar entre diferentes níveis de discurso, não percebem as figuras de linguagem, consequentemente não discernem o senso de humor nem decifram o pensamento sugestivo. Tornam-se incapazes do raciocínio abstrato, baseado em conceitos ou em universais: limitam-se aos particulares, à repetição tautológica de casos específicos. Acham que toda elocução é descritiva, não distinguem a função evocativa da fala.

Assim, se eu fizer uma referência à história da cigarra e da formiga, amanhã algum jornal dirá que eu acredito em insetos falantes.

Em semelhante contexto, quero deixar claro o seguinte: não acredito em discos voadores, nem deixo de acreditar.

O uso da expressão “acreditar” com relação à existência ou inexistência de civilizações extraterrestres e seus aparatos afigura-se inadequado. Parece perfeitamente plausível que existam tais civilizações e sejam capazes de viagens interestelares – e uma hipótese plausível não é, a rigor, matéria de crença. Trata-se, no caso, de uma proposição verificável, e jamais falseável, segundo a epistemologia de Karl Popper, ou seja: é possível comprovar empiricamente que os discos voadores existem, basta que um dia um deles apareça à luz do dia e todo mundo o enxergue, mas é impossível comprovar empiricamente que os discos voadores não existem, pois teríamos de varrer todo o universo à sua procura até concluir por sua inexistência, tarefa inexequível.

Podemos dizer algo semelhante de outras entidades, por exemplo: corvos brancos. É plausível que haja corvos brancos, pois não há nenhuma impossibilidade intrínseca em sua existência, mesmo se nunca ninguém os viu. Os corvos brancos nisso diferem, por exemplo, dos marxistas intelectualmente honestos. A existência de um marxista intelectualmente honesto não é plausível, pois há uma contradição intrínseca entre a disciplina intelectual marxista, que nasce na mentira e obriga seus praticantes a mentir inclusive a si mesmos o tempo todo, e a honestidade intelectual. Desse modo, a proposição “existem marxistas intelectualmente honestos” difere das proposições “existem discos voadores” ou “existem corvos brancos”. Ela não é nem verificável nem falseável, ela é apenas logicamente insustentável, como seria a proposição “existe luz escura”.

Quem diz “em acredito em tal coisa” está abrindo um canal para a busca de significado para além ou para fora do terreno da lógica e da epistemologia. O fato de tratar os discos voadores como matéria de crença, e não de verificabilidade empírica, é muito revelador do vazio espiritual contemporâneo. Numa civilização que proíbe a transcendência, algumas pessoas começaram a agarrar-se a certas manifestações materiais ou “mitos contemporâneos” (mais ou menos como diz C.G. Jung em seu ensaio sobre os discos voadores, Um Mito Moderno) que funcionam como sucedâneo do transcendente, do numinoso, do sagrado que elas já não conseguem conceber direta e autonomamente.

Ora, já sabemos que a esquerda não tolera a transcendência, pois a abertura para a transcendência é, em última instância, o que constitui a humanidade do homem, e também já sabemos que a esquerda é anti-humanista. Desse modo, não espanta que todas ou quase todas as pessoas cuja sede de transcendência e numinosidade leva para a crença em discos voadores construam suas casas no bairro da direita. Do mesmo modo aqueles que buscam a transcendência no esoterismo, no ocultismo, nos mistérios das civilizações desaparecidas, na alquimia, normalmente se acomodam na direita, todos os heróis fascinados pela rosa distante, secretíssima e inviolada de que fala Yeats em seu poema “The Secret Rose”, essa rosa que não é senão a transcendência, e a buscam no Santo Sepulcro, ou na embriaguez, no amor, na aventura. Esse bairro colorido, esfuziante de desejo pelo além, pela verticalidade, nas formas mais diversas, esse bairro é a direita. Do outro lado do rio político está o bairro da esquerda, um bairro cinza, pesado, de pessoas cabisbaixas que caminham murmurando slogans vazios ou fazem fila para receber sua ração diária de materialismo e reducionismo (uma espécie de soylent green, uma pasta amorfa feita de pensamento decomposto). No bairro da esquerda não há transcendência, nem a transcendência original nem os seus sucedâneos. No bairro da esquerda não há lugar para o mistério, pois o mistério é constitutivo do ser humano. Quem busca o mistério atravessa para a direita, seja o mistério de quem construiu as pirâmides, seja o de como são feitos os crop circles, seja o mistério do logos incarnado.

Talvez o que defina mais profundamentre a cisão entre esquerda e direita seja a rejeição e aceitação da transcendência, respectivamente.

Quem crê procura a direita. Mesmo quem crê em coisas que não seriam questão de crer, como os discos voadores. Muita gente acredita em discos voadores apenas porque acha que é proibido acreditar em Deus.

Não é proibido.

Texto do chanceler Ernesto Araújo https://www.metapoliticabrasil.com/blog/objetos-voadores-n%C3%A3o-ideol%C3%B3gicos

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Democracia cristã

Tem muita gente realmente preocupada, realmente tensa com o seu futuro profissional. O medo é de que o novo governo liberal de Bolsonaro, Paulo Guedes e equipe acabe com a estabilidade do servidor público e comece programas de demissão voluntária e, por fim, demissões compulsórias.

Esse é um temor justificado. Tenho certeza que, do que dependesse do futuro ministro da economia, isso iria ocorrer.

A mentalidade do serviço público é típica das civilizações contemporâneas. Conforme a vida urbana avança, avança ao mesmo passo o estado e a necessidade dele gerenciar a vida nas grandes cidades. O idílico liberalismo do século XIX, as vezes quase anárquico, é impossível nas metrópoles modernas. Grandes cidades, grandes populações, grandes problemas e grande estado.

Esperar alguma mudança que passe pela quase extinção do serviço público não é despropositada, vinda de pessoas que estão acostumadas apenas com o mercado financeiro. Se verdade é que o presidente é também um servidor de carreira, e isso poderia servir como algum alento, também é verdade que o poder pode cegar e envergar nossa cerviz. Teremos em Bolsonaro alguém que sirva de freio ao liberalismo ortodoxo do Dr. Paulo Guedes?

Dito isso, eis que vejo a necessidade do surgimento de uma força política que consiga unir a esquerda do trabalho e a direita dos valores. Em países ocidentais, em tempos de paz, esse papel deveria ser desempenhado pela democracia cristã. Aqui em Banânia, os demo-cristianos simplesmente não existem como força política partidária faz muito tempo. O último lampejo forte nesse sentido esteve ancorado na ala liderada por Franco Montoro, no PSDB. Com sua morte e com a morte do PSDB, a democracia cristã está desaparecida do Brasil. Ela poderia ser uma força política relevante, verdadeiramente de centro, tendendo à direita, que equilibraria o jogo partidária, dando alguma racionalidade nesse teatro que vemos agora.

Não sei quanto tempo a onda liberal vai durar. O liberalismo de Reagan e Thatcher tiverem seus limites políticos, gerando novos governos democratas e trabalhistas. O consenso burocrático entre sociais democratas de esquerda e de direita permite esse tipo de situação. O liberalismo de Guedes deverá se esgotar em pouco tempo. Se bem sucedido, ajudará Bolsonaro a se reeleger daqui quatro anos e a fazer o seu sucessor. Daí em diante prefiro já não fazer conjecturas. De toda a forma, o liberalismo do século XIX já não pode existir. Ele é um pássaro Dodô. Ave extinta. Querer recria-lo hoje é uma aventura que resultará em grandioso fracasso.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Há quatro anos

Em novembro de 2014 eu vi o prenúncio de uma nova era. A nova era da direita que hoje, plenipotenciária, ocupa as manchetes dos telejornais, com seu comandante supremo e inquestionável, Jair Bolsonaro, começou faz quatro anos.

Quando Dilma Rousseff venceu o segundo turno contra Aécio Neves algo novo se descortinou na política do Brasil. A primeira vitória da Nova Direita brasileira foi sobre os separatistas de São Paulo. Foi uma vitória da organização contra a desorganização. Uma vitória dos contatos sobre os passos em falso. Foi também uma vitória de Pirro da traição.

Naquele momento o lema era "ou a Dilma cai ou São Paulo sai". Méritos por esse lema ao senhor Paulo Batista, corretor de imóveis no interior de São Paulo e, naquele ano, candidato liberal derrotado ao parlamento paulista. Ele criou um mega evento no Facebook, prenunciando o poder que as redes sociais viriam a desempenhar nos quatro anos seguintes, que reuniu mais de um milhão de pessoas. A conclamação para ir às ruas se assentava sobre a ideia, mesmo que remota, da independência de São Paulo, diante de mais uma vitória petista ter sido obtida graças ao voto de cabresto do nordeste subdesenvolvido.

No dia daquela manifestação os separatistas foram traídos. Fomos traídos por que eu mesmo havia falado, por telefone, com o "raio privatizador", alinhavando o apoio separatista. Chegando ao ápice, ao dia da manifestação, o carro de som estava repleto de nacionalistas brasileiros, como Eduardo Bolsonaro (sendo franco, Eduardo me pareceu a figura mais sensata e honesta naquele momento), Bene Barbosa (odiento anti separatista), além do cantor e ex-cocainômano Lobão, recém convertido, à época, as hostes do olavismo cultural. Os separatistas foram proibidos de subir ao carro de som. Durante, a manifestação fomos hostilizados, não pelos populares, mas pelos bodes patriotas que estavam em evidência no caminhão.

Naquele dia muitas pessoas passaram a apoiar a causa paulista e deixaram de ser apenas direitistas.

Naquele momento ainda havia muita expectativa pelo bom desempenho que o derrotado Aécio havia tido na eleição. Pouco tempo depois ele haveria de ser esmagado por sua própria sujeira.

Naquele tempo o jornalista Reinaldo Azevedo ainda era um ícone da direita reacionária e hidrófoba. Hoje, num canto da Rede TV, é uma sombra do símbolo que foi. Tornou-se um mostruário do jornalismo mais escroto que há, que sobrevive do puxassaquismo dos donos do poder, especialmente do MDB.

Jair Bolsonaro já era uma figura em total ascensão na internet, que gestava a niobosfera, que dita a nova era dos dias de hoje.

Olavo de Carvalho, ideólogo geral da nova direita, já era esse elemento controverso, inteligente, maquiavélico e prepotente que é até hoje. Quem começou a conhecer o sujeito nos anos iniciais do True Outspeak sabe ver bem a decadência moral do sujeito, que de analista cáustico e coerente passou a tratar a todos que discordavam dele como sendo inimigos mortais.

A inteligentsia neo direitista ainda não trabalhava em emissoras de rádio, em jornais de grande circulação e não dava pitacos em emissoras de TV.

Luiz Felipe Pondé só era admirado por uma pequena quantidade de leitores que liam sobre "jantares inteligentes" na Folha. Ele ainda não havia sido deglutido pela esquerda pós moderna, que não havia compreendido o liberalismo do filósofo judeu-baiano.

2018 vai chegando ao fim e eu mesmo não acreditaria, se me contassem quatro anos atrás, que tudo isso iria acontecer. Como Chesterton falou, a única lei da história é o imprevisto. A direita hoje se prepara para assumir o controle do país. Será bom. Será bom por que, como separatista, sei que não há ideologia ou doutrina política que possa curar o Brasil. Quando os remédios da direita se provarem, não só ineficazes, como também nocivos, assim como os da esquerda, muita gente vai cair na real, vai aderir ao ceticismo que a causa paulista defende.

Ps.: Paulo Batista, que traiu os separatistas, de figura ascendente da política direitista de 2014, acabou sendo traído por seus pupilos, em especial Kim Kataguiri e cia, que fundaram naquele mesmo dia o MBL, chutando o traseiro de Batista para fora. Hoje Kim e seus parceiros estão eleitos, todos pelo DEM e Batista continua na internet, com menos importância do que tinha em 14. De traidor a traído, apenas um passo.

sábado, 17 de novembro de 2018

Farofa materialista

Verdade seja dita que de alguma forma os materialistas estão muito corretos. A influência de nossas condições econômicas e materiais são extremamente decisivas para a nossa psicologia, para explicar como reagimos a agimos diariamente.

Minha vida está associada, diretamente, com a criação que tive, e essa está totalmente ligada com as condições materiais que tive na infância, com o que me foi colocado a disposição, com os lugares que frequentei, com a cultura que absorvi da convivência nesses espaços e com tais objetos e pessoas.

Hoje fui ao Zaffari e fiquei pensando nas circunstâncias materiais das coisas. Comprei o que precisava e fui para o caixa. As atendentes ali costumam ser um pouco mais simpáticas do que as de outras redes do comércio em retalho. Pelo menos nos dão boa tarde ainda, coisa que anda ficando rara entre os atendentes de comércios em São Paulo, em nossos dias.

Pouco antes de terminar de passar minha compra que se resumiu em massa de pizza e bolinhos, a empacotadora do caixa ao lado derrubou uma sacola, com uma garrafa de azeite, que se espatifou pelo estreito espaço entre os caixas. Em um local de público seleto, olhava para a cara das atendentes e empacotadoras e via que ninguém sabia o que fazer. Acredito que eles esperavam que viesse uma bronca, alguma reação destemperada, grosseira. Felizmente nenhuma dessas hipóteses se concretizou. Pegaram a garrafa quebrada e a dispensaram no lixo e um gerente foi tomar outras medidas, fazendo aquilo que se espera de quem ocupa alguma função ou cargo de liderança.

A caixa que me atendia terminou de passar meus ítens, validei o ticket de estacionamento, paguei e, pouco antes de sair com as sacolas nas mãos, vejo que o gerente chega ao local do acidente, carregando um saco de meio quilo de FAROFA CONDIMENTADA! Abriu a embalagem e começou a jogar farofa sobre o azeite esparramado no corredor.

Não fiquei para ver o fim, mas sai falando com meus botões: "esse sujeito vai fazer uma macumba aí nesse lugar".

O paulistano eterno

 Me identifico com o paulistano que mora na casa que restou numa rua em dissolução. É como o velho morador de Pinheiros, que habitava uma ca...