A literatura está repleta de livros que dão asas à imaginação prodigiosa de autores que pensaram sociedades alternativas e utópicas, visões muitas vezes propositivas de seus ideários, mas ocultados e disfarçados sob o véu de obras de ficção. Reputo, por exemplo, A Máquina do Tempo, de H.G. Wells como um livro que se enquadra perfeitamente nesta categoria. São conhecidas as ligações do senhor Wells com sociedades políticas secretas socialistas, no caso a malfalada Sociedade Fabiana, que propunha um socialista reformista, lento e gradual. O símbolo dessa sociedade política era, aliás, uma tartaruga, para ilustrar que os seus membros não tinham pressa em alcançar os seus fins. Todo esse projeto de poder mundialista e globalista, que hoje é tema de discussões e chamado pela imprensa hegemônica de teoria da conspiração da ultra direita, no fundo, é a continuação das discussões iniciadas ainda no século XIX sobre alternativas socialistas para a construção de um mundo perfeito, que suplantasse a luta de classes por meio de reformas sociais-democratas.
Há literatura utópica que propõe um mundo, como um diagrama a ser seguido, como já citei "A Máquina do Tempo", mas poderia citar a Utopia, de Tomás Moro, livro ainda do século XVI, ou A Cidade do Sol, de Tomaso de Campanella. Há também livros que denunciam a degeneração da utopia, quando realizada, como é o famosíssimo caso de 1984, de George Orwell, que, sendo um socialista um pouco arrependido, após ver os caminhos que o socialismo real estava trilhando, denunciou a escravidão absoluta que o homem poderia estar submetido em um estado socialista totalitário. Precisamos reforçar sempre que todo estado totalitário moderno é sempre um estado socialista, por mais que venha a ter matizes diferentes. Há versões nacionais de socialismos. Há socialismos de empresários monopolistas, como é aquele proposto por grupos globalistas, que até apelidaram seu ideário mais recentemente de capitalismo (sic) de stakeholders. Aproveito para lembrar que a Revolução Russa foi totalmente financiada por banqueiros judeus americanos de Wall Street. Lembro também que todo desenvolvimento tecnológico feito pela União Soviética e pela China somente foi possível com a entrega de tecnologia por parte de países capitalistas ou o simples roubo dessas tecnologias. O socialismo não é criador nem multiplicador de riquezas e de tecnologias. Vejam a Cuba do século XXI, em que tal miséria vive, absolutamente isolada em seu socialismo autárquico, que mantém uma população completamente miserável e famélica. Cuba sem recursos doados pela URSS nunca conseguiu deixar de ser uma ilha-favela, pior e mais pobre do que muitas favelas brasileiras.
Contudo, me chamou a atenção uma obra de utopia não tão conhecida nem tão lida no Brasil, do autor esotérico Edward Bulwer-Lytton. Inglês do século XIX, lançou VRIL - O poder da raça futura sete anos após o livro mais famoso de Júlio Verne, Viagem ao Centro da Terra. Vril também se passa no centro do planeta Terra, que seria oco, fazendo referências claras à tradições religiosas e místicas orientais, como no budismo tibetano, que prega a existência de Agartha, uma cidade secreta no centro do planeta, somente acessada por pessoas especiais, a partir de caminhos ocultos e preservados por mestres tibetanos. Sobre Agartha, posso recomendar o livro do jornalista e escritor polaco Ferdynand Antoni Ossendovsky, Bestas, Homens e Deuses (traduzido e publicado em português). Ossendovsky nasceu em uma família polonesa abastada, tendo vivido na comunidade evangélica reformada polonesa (país majoritariamente católico) e viveu viajando pelo Oriente, onde entrou em contato com diversas narrativas e tradições religiosas e místicas. É considerado um dos grandes nomes da literatura de viagem.
O personagem central da história, um humano que em algum local incerto e não sabido, no século XIX, adentrou uma antiga mina e perscrutando aquele ambiente acaba descobrindo uma fonte de luz muito incomum, nunca vista por ele, que lhe desperta a atenção, junto com um seu companheiro. Sendo atraídos pela curiosidade, atravessam em direção a essa luz dentro da caverna da mina e entram em um mundo novo, subterrâneo, mas iluminado e composto de paisagens naturais que, embora distintas das terráqueas, ainda assim lembram a superfície. Ao entrar em contato com os seres desse mundo, o personagem central descobre uma sociedade avançada, humanóide, que migrou para o centro da Terra após alguma catástrofe natural antediluviana, que fez com que progredissem muito e em ritmo diferente dos povos da superfície. (A imaginação do leitor que tem referências bíblicas não pode deixar de pensar que tais habitantes, bonitos, mais altos e alvos do que os homens da superfície, seriam néfilins, supostos híbridos entre as filhas dos homens e anjos caídos, como é citado no Antigo Testamento.)
Uma obra utópica serve precipuamente, ou deveria servir, para questionar a sociedade vigente. Pode servir como tema para discussão de qual caminho aquela sociedade pretende tomar e seguir ou ainda de quais decisões abortar, como é mais característicos em obras que denunciam o caráter totalitário de sociedades utópicas (as distopias, como 1984). No caso de Vril, a sociedade subterrânea é muito avançada tecnologicamente e também socialmente. É uma monarquia eletiva que elege um magistrado ilustrado que governo temporariamente aquela comunidade. A civilização subterrânea não padece de problemas sociais de nenhuma natureza. Não há problemas de natalidade, de desabastecimento de comida, de violência, de ocupação do território. Todas as comunidades são pequenas e quando o número de população de uma delas cresce em demasia, há um fluxo migratório para outras comunidades, de modo que as cidades são pequenas e perfeitamente se mantém em equilíbrio. Não há trabalho manual, no geral, pois as atividades do dia são realizadas por robôs autômatos. O próprio trabalho intelectual é basicamente desprezível, pois não há muito o que ser questionado ou repensado, já que há o domínio da energia do Vril, mais forte nas crianças e nas mulheres - em especial nas mulheres - afinal, essa sociedade perfeita do submundo é uma ginecocracia. Até a religião está pacificada. Todos creem em um ser supremo, uma divindade que dá a vida e a retira quando quer. Toda a crença religiosa é uniforme e pacificada. Não há discussão dogmática ou de natureza teológica, por absoluta falta de necessidade. Todo ordenamento socialmente está plenamente pacificado. Não há, essencialmente, discórdia. Há ali paz e felicidades perpétuas. A compreensão e o entendimento são plenos, inclusive em temas como a morte ou o casamento e a reprodução. Entendo essa sociedade apresentada como uma representação idealizada do paraíso. É uma sociedade sem escassez. A economia é um detalhe administrativo, pois a energia do Vril e a tecnologia dão jeito de cuidar de tudo. Papéis etários e de gênero são diferentes. O casamento é no começo da adolescência e são as moças que escolhem os seus pares. Depois de casados, quando atingem a maturidade, a vida é só paciência e pacificação, na esperança do fim dos dias. O enrosco do personagem central se dá quando a jovem mais poderosa daquele reino decide escolher o forasteiro como o seu parceiro de casamento, algo que geraria um cruzamento genético espúrio e indesejado.
Há como perceber na obra influências de ideias e correntes de pensamento da época, como do darwinismo (evolucionismo), diria eu também do positivismo comteano, conforme observamos essa sociedade harmoniosa, liderada por um magistrado absolutista e ilustrado, baseada em compreensão e em amor. Confesso que percebi menos referências esotéricas e ocultistas do que estava esperando, pela fama do livro e do autor. Sabemos que a palavra VRIL, entendida como uma energia vital, será tratada no decorrer do século XIX e começos do século XX com um sentido objetivo e real, não como fantasia. Max Heindel, um dos mais destacados líderes do Rosacrucianismo, enxergava o domínio da energia VRIL (ou desse-se a ela o nome que fosse) como a mais nova revolução científica que estaria no limiar. Suplantaria a revolução da energia mecânica, da máquina a vapor, da energia elétrica e do éter.
Não pode deixar de comentar como a temática do VRIL me lembra de William Reich e do orgônio, suposta energia (de origem sexual) que ele conseguiria controlar por meio de técnicas e aparelhagem específica (caixas de Reich). Devo também lembrar que a canalização de energia sexual é tema recorrente em sociedades esotéricas, em círculos maçônicos e druídicos. Supostamente isso esteve presente nos círculos fechados do III Reich. Supostamente também Hitler teria lido esse livro de Bulwer-Lytton e se inspirado nela para pensar e formular determinados aspectos e políticas do estado alemão para o Reich de mil anos. Me parece bastante nebuloso determinar quais são os reais limites disso no campo real e no campo da fantasia e das ilações livres. Demandará uma pesquisa que talvez eu possa fazer futuramente, indo direto em fontes bibliográficas pouco exploradas no Brasil, traduzindo textos do alemão, sobretudo.
A conclusão que chego é que muito ainda pode ser escrito sobre as utopias e as sociedades secretas e esotéricas. Considere-se sempre que toda a rápida mudança que nossa civilização tem atravessado desde o fim da II Guerra Mundial é o resultado de uma guerra oculta travada entre sociedades secretas e grupos de poder, no centro do capitalismo financeiro e do socialismo. A hibridização entre financeirismo, monopolismo e socialismo é o Godzilla que está para destruir o mundo. Há ainda o aspecto do milenarismo que deve sempre estar presente em todas as discussões e debates acerca desses temas. Acredito que as crenças heréticas milenaristas podem estar no centro do movimento histórico reformista e revolucionário, com uma matização nem sempre tão clara e nem sempre tão definitiva, mas, ainda que de maneira assessória, é um elemento que precisa sempre ser considerado na história dos movimentos políticos do Ocidente, desde a Baixa Idade Média, pelo menos.
Edward Bulwer-Lytton |