Me parece dialético o papel do estado contemporâneo, em ser um agente ordenador da sociedade que é integrada nele. Claro, essa sociedade não representa o todo do corpo de cidadãos, antes setores das elites econômicas e culturais. A sociedade que vive para o controle do estado é aquilo a que se chama de classes falantes. Essa sociedade controladora do estado é quem promove todas as políticas públicas, em acordo com a sua agenda de hábitos e costumes. Se o estado passou a promover e aceitar coisas como o divórcio, o casamento e direitos gays, políticas afirmativas e demais pautas é por que a sociedade cria nisso, pelo menos como ideia geral, vaga e abstrata, mesmo que não adotasse isso em suas casas.
A sociedade que controla o estado e o estado, que determina os limites de ação da sociedade, vivem um para o outro. Essa sociedade, composta pela elite, não considera o Vox Populi. Povo é outra coisa. O povo não faz parte da sociedade, portanto, está à margem do estado. O povo, o "afegão médio" ou o Homer Simpson tem vergonha do filho bicha. O homem comum é conservador. Quer sua família bem constituída, quer viver com a sua simplicidade, com uma ordinária mentirinha aqui ou ali. Um pecadinho aqui, outro lá. Um maridinho e uma mulherzinha, com seus filhos, todos comuns. Com seus cursos de soldador industrial do Senai. Essa gente é o esteio da vida social. É essa gente, que vai na missa um dia e na mesa branca outro, ou que dá dízimo pro Edir Macedo, por que acredita no evangelho de cura e prosperidade pregado pelo Bispo. São os corinthianos e flamenguistas. É a gente morena, bronzeada e marrom. Mas também preta ou branca. É o pobre clássico, não o das estatísticas forçadas do IBGE. Essa gente a sociedade não considera como parte de si, não acha que seja merecedora de voz, de direito de opinião. Por isso que a sociedade, que controla o estado (e é claro, os políticos e os partidos) sempre dá um jeito de colocar nas eleições candidatos que sejam pessoas da sociedade e não do povo. Ou vocês acham que o Lula era do povo? Foi um brinquedinho nas mãos dos donos do poder.
A popularização da internet fez um milagre. Ela criou um poder paralelo, onde o Zé Ninguém e o afetado professor universitário concorrem em pé de igualdade. Isso enfurece aos nossos luminares. Eles não aceitam que as pessoas simples tenham as suas opiniões, normalmente toscas mesmo, sobre remédios alternativos, sobre coisas que envolvam a administração pública ou ainda sobre o desejo do governo em ensinar aos seus filhos a enfiarem coisas na bunda desde o jardim de infância.
A internet proporcionou longos anos de grande liberdade de expressão, para falar tudo aquilo que há de mais e escroto e abjeto. Hoje, o receio nos censura e, em vários casos, essa censura toma a forma de mandados de busca e apreensão ou mesmo de cana. É a resposta da sociedade, que controla o estado, sobre algo que ela mesma não consegue, ainda, ter controle total.
Um dos direitos naturais, se não me engano, expostos por John Locke, é o direito de se rebelar contra um governo que avilte todos os demais direitos e liberdades básicas. Nosso governo tem feito isso diuturnamente. Não exatamente o chefe do poder executivo federal atual. Esse não parece ter esse perfil. Mas os demais poderes do estado são controlados pela sociedade (e parte do executivo também é composta por infiltrações da sociedade). Não é hora de opor a sociedade contra o estado, mas de opor o povo contra a sociedade e dar ao povo o direito de controlar o estado. Se o povo realmente não é o extrato social que tem a melhor dentição, menos vermes nos intestinos ou o melhor domínio do vernáculo, pelo menos, por ser a maioria e por ter hábitos morais mais honestos, merece essa oportunidade. É preciso vencer a sociedade.
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