"Papai em 80 mudou-se da capital para cá, quando passou no concurso de procurador da câmara municipal. Ele e mamãe já estavam juntos há coisa de três anos. Protelaram a chegada de um rebento por mais de dez anos, até que vim ao mundo. Menino, com cinco anos, foi matriculado no colégio particular de maior renome da vila, o que significa estar reunido com cerca de mais vinte crianças, maioria composta por filhos de vereadores e comerciantes locais. A escola não difere muito da cara que tem uma escola estadual, até a pintura verde claro com branco e as carteiras fabricadas por detentos são as mesmas. A história das aventuras e rotinas que ali tive cabem em um escrito à parte. As primeiras brigas, a primeira namoradinha, as excursões para o zoológico e o parque aquático, coisas que crianças urbanas passam. Nada de anormal, mas, o que é mais interessante do que nossas vidas monótonas, desde que contadas de forma pitoresca, não é verdade?
Terminado o colégio, prestei o vestibular para entrar na USP e consegui uma proeza: ser aprovado para o curso de ciências contábeis. Hoje acresceram o vocábulo "atuariais" ao nome do curso. Não sou despachante, nem faço seguros. Mexo com folhas de pagamento e duplicatas. Ter passado quatro anos no ônibus entre o Butantã e Itapecerica me concedeu tempo demais para me enfadar da profissão antes de me consolidar nela. Trabalhar num escritório aqui é um tédio, assim como quase tudo por essas bandas. Novidade é o assunto no quilo do Centro, quando a Polícia resolve fazer uma limpa aqui, deixando cinco neguinhos mortos e mais uns três pendurados para o dia seguinte. Fora isso, novela e futebol."
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