sábado, 13 de agosto de 2011

Livro "Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai" de Júlio José Chiavenatto

CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. São Paulo/SP; Círculo do Livro, s/d.

O livro "Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai" do jornalista paulista Júlio José Chiavenatto trata, sobretudo, dos bastidores políticos e econômicos que envolveram este conflito (a Guerra do Paraguai) o maior já travado em todo o continente americano.

Publicado na década de 1970, onde no Brasil vigorava, em plena força, o regime militar, o livro traz também uma visão que não foi bem vista oficialmente por setores ditos "nacionalistas" do governo da época.

O Brasil viveu, desde a proclamação da República, alguns períodos de governos autoritários. Foi assim com os primeiros presidentes, do período chamado "República das Espadas"; posteriormente a uma fase de maior abertura e "democracia" até 1930, quando outro estilo de governo autoritário (mais duro e repressivo do que o primeiro modelo) tomou o poder, agora mais centrado na figura do presidente, papel ocupado então por Getúlio Vargas. Após idas e vindas e o definitivo fim da Era Vargas, um breve período de eleições minimamente livres se seguiu até o ano de 1964, quando os militares, frente a um quadro de completa, total instabilidade política, institucional, risco de ascensão de um governo socialista-populista, assumiram o poder. Eles, os militares, somente largariam o poder em 1984, vinte anos depois.

Em comum a todos o governos democráticos ou autoritários existe a forma de se lidar com a história oficial, ou seja, a versão oficial dos fatos. Vemos que até nossos últimos presidentes ainda se recusam a liberar para consulta pública vários documentos oficiais, que estão em sigilo, tolhendo parte do direito de informação garantido à população do Brasil.

O medo, parece-me, é de que o governo brasileiro tem receio de trazer a público documentos que mostrem papéis que o país já desempenhou e que hoje tenta esquecer e esconder, por não os considerar muito "limpos". Dentre esta gama de episódios históricos se encontra a Guerra do Paraguai.

O mérito de Chiavenatto se dá pelo fato de ter trazido uma versão menos heroica e oficial da Guerra do Paraguai. Ele não foi o primeiro a fazer tal serviço, várias são as publicações que tratam do assunto, inclusive publicações de ex-combatentes, mas estas acabaram sendo postas de lado durante muito tempo, não pela falta de qualidade, mas pelo conteúdo não ser o mais "agradável" e plenamente sustentado pela versão brasileira. Mostrar algumas atrocidades cometidas pelas Forças Militares do Brasil, um país que sempre se gabou de ser extremamente pacífico, não era coisa do agrado, bem como, mostrar outras facetas de pessoas públicas que se tornaram heróis oficiais, "os grandes da nação" (Dom Pedro II, Duque de Caxias, General Osório). Outro, e talvez o principal serviço que este livro traz seja o de tentar mostrar uma visão que seria um pouco mais realista, onde, maniqueisticamente, o Paraguai não é visto como o grande vilão da história, mas exatamente o contrário.

Dividido em capítulos breves e em subcapítulos mais breves ainda – o que facilita a leitura – traz no começo uma apresentação do Paraguai, o que aliás é bastante reforçado pelo autor. O país até o momento em que se travou o sangrento conflito contra a Tríplice Aliança havia tido apenas três presidentes (Francia, Carlos Lopéz e Francisco Solano Lopéz) e todos dirigiram o país com punhos de aço, que caracterizaram no Paraguai um modelo ímpar de regime político nas Américas daquele tempo.

Todos os três presidentes tiveram, de forma geral, uma linha mestra de conduzir o país: perseguindo a mídia e a grande burguesia nacional, os grandes proprietários de terras até que estes praticamente se extinguissem. No Paraguai foi feita uma espécie de reforma agrária, onde os camponeses sem terra começaram a trabalhar nas chamadas "Estâncias da Pátria", fazendas estatais, que produziam grande parte dos produtos agrícolas do país. Também no Paraguai, a base de muito custo e sacrifício desenvolvia-se uma indústria que mostrava sinais de pujança, totalmente nacional, sem a presença maciça de capital estrangeiro, sobretudo o inglês.

No Paraguai havia então níveis de desenvolvimento humano muito superiores aos de todos os países sul-americanos, que, à época, se mantinham economicamente a base de exportações de matérias primas para a Europa e de comprar quase todos os produtos industrializados no exterior. Com mão de obra em grande parte sustentada pelos braços escravos dos negros, ainda se trazia para a América diversos serviços prestados pelas companhias europeias, como iluminação e calefação, gás e transportes. No Paraguai o cenário era muito diferente deste.

Francía, primeiro presidente paraguaio vislumbrava que seu país somente iria para frente caso tivesse uma política econômica voltada para o povo, contra os grandes fazendeiros e comerciantes, que constituíam uma elite predatória, não comprometida com o futuro e o desenvolvimento da nação guarani. Este ideal foi seguido pelos outros dois presidentes que se sucederam a Francía, o pai, Carlos Lopéz e o filho, Francisco Solano Lopéz.

O Paraguai, através de seus governantes, quando se sentia prejudicado em alguma negociação ou serviço adquirido de outra nação não pestanejava e lutava por seus direitos e pela legalidade nas negociações e contratos. Nessa lógica, a industrialização paraguaia começou a deixar temerosa a maior potência econômica e militar da época, a Inglaterra.

Chiavenatto mostra-nos que a Inglaterra tinha receio de que o exemplo de independência plena do Paraguai acabasse sendo seguido por outros países da região e com isso a "Terra da Rainha" perdesse mercados consumidores de seus serviços e produtos, além de, automaticamente, ganhar novos concorrentes. De fato o Paraguai não era o melhor exemplo de subserviência a interesses que não fossem aqueles imediatamente mais altos à nação.

Segundo o autor, a Inglaterra seria a grande incentivadora da guerra, sendo seus representantes países que lhe eram aliados e a ela ligados pelos vultuosos empréstimos que contraiam há tempos. Nesta lógica, Argentina, Brasil e de contrapeso o Uruguai seriam meras buchas de canhão do "imperialismo" inglês.

Alguns historiadores criticam este livro por ele, de certa forma, excluir dos motivos básicos para a Guerra os problemas que diziam respeito unicamente aos países diretamente beligerantes. De fato, isso é muito notório no livro, Júlio José Chiavenatto passa boa parte do livro tentando provar por A+B que a Inglaterra foi a grande responsável por tudo.

Ponto positivo a destacar é a relativização que o autor faz. O Paraguai, país governado por presidentes que, embora ditadores, fizeram o país alcançar altíssimos níveis sociais, ao contrário de todos os seus vizinhos. Parece-me, Chiavenatto não diz isso textualmente, que ele mesmo tem essa sensação, aliás da qual também partilho, de que não restam dúvidas de que o governo forte do Paraguai foi muito melhor para aquele país do qualquer outro que tenha vindo depois .

A desmistificação de Solano Lopéz, presidente paraguaio durante o período da guerra, que era apresentado à época no Brasil como um tirano assassino, conquistar implacável, o "Átila das Américas", mostrando que ele era um homem com virtudes e com defeitos, assim como todos nós, e não somente um monstro feito apenas de maldades, que não tinha em seus planos para o Paraguai nenhuma política expansionista, e que tão somente buscava o bem do Paraguai e o equilíbrio na Bacia do Prata, necessária ao desenvolvimento guarani.

Como disse também anteriormente, importante também é a desmistificação do papel de eterno "mocinho" da história que o Brasil acaba reivindicando e mesmo levando. Este país matou muita gente covardemente, e nisto se inclua velhos, mulheres e sobretudo crianças. Quase a totalidade (mais de 90% dos) dos homens paraguaios foram mortos neste conflito. Que nos diga Acosta Ñu!

O livro tem um estilo bastante corrido, ilustrativo, jornalístico simplesmente, mas é muitíssimo bem amparado em documentos e fontes de época. Muitos dos fatos em "Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai" tem provas documentais. O tamanho do livro (224 páginas) também ajuda a leitura, que poderia, sem nenhum problema, ser realizada por alunos do ensino médio.

Sem dúvida trata-se de um livro polêmico, que contraria muitos interesses, mas cuja leitura é importante para que o reflexivo contraponto, extremamente necessários a todos os cidadãos e mais ainda a historiadores, seja realizado.
***
Júlio César Dos Santos Bueno. Aluno de história do 4º Semestre - Centro Universitário Sant' Anna. Agosto/2011. São Paulo/SP

4 comentários:

  1. muito boa esta resenha ! me ajudou muito na apresentação que farei na aula de história do primeiro periodo de relações internacionais, vlw mesmo ! qualquer coisa me add dantasergio_pb@hotmail.com

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  2. Esse livro é cheio de estórias. Não deveria ser recomendado para ensino médio nenhum. Uma pesquisa mais ampla sobre a guerra vai mostrar que esse livro é só mais uma publicação cheia de teorias da conspiração. Isso da Inglaterra na guerra é uma piada.

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  3. Talvez sim talvez não. A história que os historiadores nada mais é do que um discurso que se presume verdadeiro, presume-se. Se é verdadeiro ou não é dificil saber...

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  4. É um dos pontos de vista que merece ser investigado. Historicamente, a Inglaterra deu mostras do que foi capaz de fazer, anteriormente, quando os interesses comerciais do do"reino onde o sol nunca se põe" eram confrontados. Veja-se o exemplo da "Guerra do Ópio", em que o porto de Hong Kong foi bombardeado quando o Governo local tentou impedir o desembarque daquele narcótico, ainda que contratado. O perfil existiu. Mas, como dito no início, merece ser investigado.

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