CHIAVENATTO,
Júlio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. São
Paulo/SP; Círculo do Livro, s/d.
O livro "Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai" do
jornalista paulista Júlio José Chiavenatto trata, sobretudo, dos
bastidores políticos e econômicos que envolveram este conflito (a
Guerra do Paraguai) o maior já travado em todo o continente
americano.
Publicado na década de 1970, onde no Brasil vigorava, em plena
força, o regime militar, o livro traz também uma visão que não
foi bem vista oficialmente por setores ditos "nacionalistas"
do governo da época.
O Brasil viveu, desde a proclamação da República, alguns períodos
de governos autoritários. Foi assim com os primeiros presidentes, do
período chamado "República das Espadas"; posteriormente a
uma fase de maior abertura e "democracia" até 1930,
quando outro estilo de governo autoritário (mais duro e repressivo
do que o primeiro modelo) tomou o poder, agora mais centrado na
figura do presidente, papel ocupado então por Getúlio Vargas. Após
idas e vindas e o definitivo fim da Era Vargas, um breve período de
eleições minimamente livres se seguiu até o ano de 1964, quando os
militares, frente a um quadro de completa, total instabilidade
política, institucional, risco de ascensão de um governo
socialista-populista, assumiram o poder. Eles, os militares, somente
largariam o poder em 1984, vinte anos depois.
Em comum a todos o governos democráticos ou autoritários existe a
forma de se lidar com a história oficial, ou seja, a versão oficial
dos fatos. Vemos que até nossos últimos presidentes ainda se
recusam a liberar para consulta pública vários documentos oficiais,
que estão em sigilo, tolhendo parte do direito de informação
garantido à população do Brasil.
O medo, parece-me, é de que o governo brasileiro tem receio de
trazer a público documentos que mostrem papéis que o país já
desempenhou e que hoje tenta esquecer e esconder, por não os
considerar muito "limpos". Dentre esta gama de episódios
históricos se encontra a Guerra do Paraguai.
O mérito de Chiavenatto se dá pelo fato de ter trazido uma versão
menos heroica e oficial da Guerra do Paraguai. Ele não foi o
primeiro a fazer tal serviço, várias são as publicações que
tratam do assunto, inclusive publicações de ex-combatentes, mas
estas acabaram sendo postas de lado durante muito tempo, não pela
falta de qualidade, mas pelo conteúdo não ser o mais "agradável"
e plenamente sustentado pela versão brasileira. Mostrar algumas
atrocidades cometidas pelas Forças Militares do Brasil, um país que
sempre se gabou de ser extremamente pacífico, não era coisa do
agrado, bem como, mostrar outras facetas de pessoas públicas que se
tornaram heróis oficiais, "os grandes da nação" (Dom
Pedro II, Duque de Caxias, General Osório). Outro, e talvez o
principal serviço que este livro traz seja o de tentar mostrar uma
visão que seria um pouco mais realista, onde, maniqueisticamente, o
Paraguai não é visto como o grande vilão da história, mas
exatamente o contrário.
Dividido em capítulos breves e em subcapítulos mais breves ainda –
o que facilita a leitura – traz no começo uma apresentação do
Paraguai, o que aliás é bastante reforçado pelo autor. O país até
o momento em que se travou o sangrento conflito contra a Tríplice
Aliança havia tido apenas três presidentes (Francia, Carlos Lopéz
e Francisco Solano Lopéz) e todos dirigiram o país com punhos de
aço, que caracterizaram no Paraguai um modelo ímpar de regime
político nas Américas daquele tempo.
Todos os três presidentes tiveram, de forma geral, uma linha mestra
de conduzir o país: perseguindo a mídia e a grande burguesia
nacional, os grandes proprietários de terras até que estes
praticamente se extinguissem. No Paraguai foi feita uma espécie de
reforma agrária, onde os camponeses sem terra começaram a trabalhar
nas chamadas "Estâncias da Pátria", fazendas estatais,
que produziam grande parte dos produtos agrícolas do país. Também
no Paraguai, a base de muito custo e sacrifício desenvolvia-se uma
indústria que mostrava sinais de pujança, totalmente nacional, sem
a presença maciça de capital estrangeiro, sobretudo o inglês.
No Paraguai havia então níveis de desenvolvimento humano muito
superiores aos de todos os países sul-americanos, que, à época, se
mantinham economicamente a base de exportações de matérias primas
para a Europa e de comprar quase todos os produtos
industrializados no exterior. Com mão de obra em grande parte
sustentada pelos braços escravos dos negros, ainda se trazia para a
América diversos serviços prestados pelas companhias europeias, como
iluminação e calefação, gás e transportes. No Paraguai o cenário
era muito diferente deste.
Francía, primeiro presidente paraguaio vislumbrava que seu país
somente iria para frente caso tivesse uma política econômica
voltada para o povo, contra os grandes fazendeiros e comerciantes,
que constituíam uma elite predatória, não comprometida com o
futuro e o desenvolvimento da nação guarani. Este ideal foi seguido
pelos outros dois presidentes que se sucederam a Francía, o pai,
Carlos Lopéz e o filho, Francisco Solano Lopéz.
O Paraguai, através de seus governantes, quando se sentia prejudicado
em alguma negociação ou serviço adquirido de outra nação não
pestanejava e lutava por seus direitos e pela legalidade nas
negociações e contratos. Nessa lógica, a industrialização
paraguaia começou a deixar temerosa a maior potência econômica e
militar da época, a Inglaterra.
Chiavenatto mostra-nos que a Inglaterra tinha receio de que o exemplo
de independência plena do Paraguai acabasse sendo seguido por outros
países da região e com isso a "Terra da Rainha" perdesse
mercados consumidores de seus serviços e produtos, além de,
automaticamente, ganhar novos concorrentes. De fato o Paraguai não
era o melhor exemplo de subserviência a interesses que não fossem
aqueles imediatamente mais altos à nação.
Segundo o autor, a Inglaterra seria a grande incentivadora da guerra,
sendo seus representantes países que lhe eram aliados e a ela
ligados pelos vultuosos empréstimos que contraiam há tempos. Nesta
lógica, Argentina, Brasil e de contrapeso o Uruguai seriam meras
buchas de canhão do "imperialismo" inglês.
Alguns historiadores criticam este livro por ele, de certa forma,
excluir dos motivos básicos para a Guerra os problemas que diziam
respeito unicamente aos países diretamente beligerantes. De fato,
isso é muito notório no livro, Júlio José Chiavenatto passa boa
parte do livro tentando provar por A+B que a Inglaterra foi a grande
responsável por tudo.
Ponto positivo a destacar é a relativização que o autor faz. O
Paraguai, país governado por presidentes que, embora ditadores,
fizeram o país alcançar altíssimos níveis sociais, ao contrário
de todos os seus vizinhos. Parece-me, Chiavenatto não diz isso
textualmente, que ele mesmo tem essa sensação, aliás da qual
também partilho, de que não restam dúvidas de que o governo forte
do Paraguai foi muito melhor para aquele país do qualquer outro que
tenha vindo depois .
A desmistificação de Solano Lopéz, presidente paraguaio durante o
período da guerra, que era apresentado à época no Brasil como um
tirano assassino, conquistar implacável, o "Átila das
Américas", mostrando que ele era um homem com virtudes e com
defeitos, assim como todos nós, e não somente um monstro
feito apenas de maldades, que não tinha em seus planos para o
Paraguai nenhuma política expansionista, e que tão somente buscava
o bem do Paraguai e o equilíbrio na Bacia do Prata, necessária ao
desenvolvimento guarani.
Como disse também anteriormente, importante também é a
desmistificação do papel de eterno "mocinho" da história
que o Brasil acaba reivindicando e mesmo levando. Este país matou
muita gente covardemente, e nisto se inclua velhos, mulheres e
sobretudo crianças. Quase a totalidade (mais de 90% dos) dos homens
paraguaios foram mortos neste conflito. Que nos diga Acosta Ñu!
O livro tem um estilo bastante corrido, ilustrativo, jornalístico
simplesmente, mas é muitíssimo bem amparado em documentos e fontes
de época. Muitos dos fatos em "Genocídio Americano: a Guerra
do Paraguai" tem provas documentais. O tamanho do livro (224
páginas) também ajuda a leitura, que poderia, sem nenhum problema,
ser realizada por alunos do ensino médio.
Sem dúvida trata-se de um livro polêmico, que contraria muitos
interesses, mas cuja leitura é importante para que o reflexivo
contraponto, extremamente necessários a todos os cidadãos e mais
ainda a historiadores, seja realizado.
***
Júlio César Dos Santos Bueno. Aluno de história do 4º Semestre - Centro Universitário Sant' Anna. Agosto/2011. São Paulo/SP
muito boa esta resenha ! me ajudou muito na apresentação que farei na aula de história do primeiro periodo de relações internacionais, vlw mesmo ! qualquer coisa me add dantasergio_pb@hotmail.com
ResponderExcluirEsse livro é cheio de estórias. Não deveria ser recomendado para ensino médio nenhum. Uma pesquisa mais ampla sobre a guerra vai mostrar que esse livro é só mais uma publicação cheia de teorias da conspiração. Isso da Inglaterra na guerra é uma piada.
ResponderExcluirTalvez sim talvez não. A história que os historiadores nada mais é do que um discurso que se presume verdadeiro, presume-se. Se é verdadeiro ou não é dificil saber...
ResponderExcluirÉ um dos pontos de vista que merece ser investigado. Historicamente, a Inglaterra deu mostras do que foi capaz de fazer, anteriormente, quando os interesses comerciais do do"reino onde o sol nunca se põe" eram confrontados. Veja-se o exemplo da "Guerra do Ópio", em que o porto de Hong Kong foi bombardeado quando o Governo local tentou impedir o desembarque daquele narcótico, ainda que contratado. O perfil existiu. Mas, como dito no início, merece ser investigado.
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