Deus não nos deixa saber o futuro. Há quem creia e jure dizer que ele dá visões, sonhos e premonições. Isso está no campo da experiência pessoal e da fé individual. Mas, ainda assim, o que se veria seriam fatos isolados, trechos de acontecimentos, fatias de momentos da vida pessoal daquele sujeito. A adivinhação é feitiçaria, é pecado. Não tem parte com Deus. Logo, não vou dar uma de Nostradamus e suscitar a ira divinal sobre mim e minha casa. Não faço previsões. Trabalho com diagnósticos e cenários de possibilidades no campo da política. Dito isso e, mais tranquilo, comecemos as hipóteses.
Ainda no terreno do religioso, é uma tristeza, mas precisa ser proclamado: o Brasil é um país predestinado ao fracasso. Tudo o que já aconteceu no terreno da política nesse país é perverso, impuro. A república, esperada por grande parte da intelectualidade progressista e liberal do século XIX, não se consolidou até hoje. Não que essa consolidação esteja em cheque porque os monarquistas sejam uma ameaça. São simpáticos e inofensivos. Não é isso. Ela não se consolidou simplesmente porque não é algo possível. Não há chance de se alcançar paz duradoura. Não há chance de se obter consenso sobre fórmulas e modelos da política. A briga, a disputa, a ameaça de ruptura é presente em todos os momentos, desde 1889. Estamos sempre vendo alguém barbudo, como o Marechal Deodoro prestes a dar mais um golpe. E o pior, os golpes dados são sempre justificáveis, já que sempre a situação presente é caótica. O normal na história da república é o golpe. O anormal é um contragolpe preventivo e restaurativo, como aquele que o Marechal Lott deu, para garantir a posse do JK. Aquilo sim é anormal na política brasileira e ainda assim foi um golpe!
Digo que a república foi impura pela simples razão de ter sido proclamada verticalmente, por meio de uma quartelada, sem qualquer participação popular significativa, por ter copiado mal e porcamente o ideário republicano franco-americano e, na constituição, o modelo argentino. Nosso federalismo foi invertido. O Brasil nasce em 1822 unitário e se dissolve parcialmente com o federalismo, firmado pela constituição de 1891. As gambiarras políticas são uma marca fundamental da essência desse país.
Estamos saídos amanhã com oito dias do fim da eleição de 2022. Ano que vem se completará dez anos que o país vive uma guerra psicológica a cada dia. Começou com as manifestações dos vinte centavos e, de jacquerie em jacquerie, estamos todos em convulsão até hoje. Há quem tivesse visto aqueles acontecimentos com esperança revolucionária e que já pereceu e não viu nada mudar. Crises e crises se sucedem. Ameaças de rompimentos institucionais, vindas do PT, vindas dos militares, vindas do bolsonarismo, dos petistas novamente. Presenciar esses tempos não é nem um pouco divertido.
Aqui posso elencar uns poucos pontos, porém não inválidos, a respeito da tristeza que é viver nesse país miseravelmente condenado.
Temos crises econômicas subsequentes, intermitentes, que se emendam umas nas outras. Desemprego, subemprego, inflação, perda de poder aquisitivo do salário, bolsas, auxílio governamentais. A economia nunca vai bem. Ela apenas despiora. E realmente, só quem gosta da economia do Brasil é banqueiro espoliador que arranca o nosso couro com os exorbitantes juros.
Na política, o modelo instituído pela constituição de 1988 é uma piada improvisada. Tem um presidencialismo que obriga o chefe do executivo a arrear as calças para o congresso e tem um congresso com vocação parlamentarista, ainda que lhe faltem predicados representativos (um defeito imposto pela ausência de voto distrital -- mais uma deformidade política desse azarado país).
A última moda são os juízes com anabolizantes. Ministros da suprema corte super poderosos, super dotados de funções, um poder moderador. Substituem o monarca emplumado. Ainda assim, alguns ainda usam plumas em suas cabeças, de maneira muito mal disfarçada.
Agora temos aí um choque de titãs, entre o atual presidente e o novo, recém eleito. Um choque entre Nho Ruim e Nho Pior. Entre Asmodeus e Satanás, para citar o velho Jânio Quadros. Ganhou o mais velho, o barbudo, aquele que decepou um dedo para se aposentar mais cedo (ao menos assim dizem as más línguas). O novo presidente não foi eleito pelo voto popular, livre e democrático, mas colocado de volta ao poder pelo sistema, pelo estamento burocrático (by, Raymundo Faoro), pela elite dominante desse país (by Luís Carlos Alborghetti). Foi tirado da cadeia, absolvido depois de ter sido condenado em um processo em que teve direito de ampla defesa, e colocado de volta no trono de presidente da república. Não foram os seus dotes, seus méritos, suas propostas, nem mesmo suas promessas que o puseram no primeiro lugar da votação. Foi botado lá pela possibilidade que ele abre para que velhos esquemas retornem e tenha de volta livre acesso para gerenciar seus negócios espúrios e imorais.
Mas, falando no porvir, uma hipótese a qual tendo a ver mais chances de se concretizar, é aquela que o Ciro Gomes defende: Lula vai entregar a economia aos banqueiros neoliberais, a política do dia a dia ao Alckmin, os ministérios moderninhos (pretos, mulheres, indígenas, direitos humanos) para a turma da lacração do PT-PSOL e ele mesmo vai passear por aí, fazendo esquemas para o partido e passando para a imprensa internacional o papel de presidente moderado e defensor de agendas modernizantes, um perfeito democrata.
Não vejo chances do PT conduzir uma política abertamente bolivariana.
Não vejo chances de a inflação chegar a três dígitos, como na Argentina.
Essencialmente, em economia a coisa fica mais ou menos como está. E está ruim, bem remediada, mas ruim.
O problema e o risco do PT não estão, pelo menos por ora, na economia, mas na política. É ali que podem querer meter os seus jabutis, com a conivência do Centrão. Aqui podemos ter uma hecatombe.
Não que não seja a primeira catástrofe política de proporções pré diluvianas que essa desditosa república vem atravessar. Infelizmente, toda a esperança se desgasta e esmorece, mas o Brasil não se dissolve.
Bem, cabe finalizar estas notas fazendo uma profissão de fé: prometo seguir fiel aos meus princípios de jamais crer no sucesso do Brasil. É a fé mais fácil do mundo. Deus a dá a quem quer. Liberalmente.
Um dia estaremos libertos do martírio desse país. Um dia ele deixará de existir. Um dia São Paulo será um país livre e distante dessa aberração de impurezas, que é o Brasil.