Não me recordo ao certo em que ano isso aconteceu. Sei que foi na linha 1, azul, creio. Não lembro também se foi na época em que estava na faculdade. A julgar pela conjunção dos fatos é provável. Contudo, não estaria surpreso se isso tivesse ocorrido antes.
Nunca decidi me tornar professor. Isso é uma vocação. É a predisposição para falar, para explicar, para mostrar os fatos. Quando estava na escola sempre me dei melhor com geografia, em razão dos professores dessa matéria serem, normalmente, mais legais e interessantes do que os de história. O perfil dos meus professores de história, na escola, sempre foi muito sisudo, fechado, um pouco arrogante mesmo. Tirando a professora da quinta série, que na verdade era bem dinâmica e gostava de despertar a nossa imaginação, nos provocando viagens imaginárias ao Egito ou à Grécia, todos os demais não se destacavam para mim pelo seu carisma, tampouco pela maneira voluntariosa com que ensinavam. No ensino médio tive professores que quase nada explicavam. Era o uso do livro, da apostila ou do texto em lousa e quase nada (ou mesmo nada) de exortação. No primeiro ano uma professora mal encarada, com cara de tia infeliz (dr. Paulo Maluf diria que professoras não são mal pagas...). Não explicava e era brava. Ela saiu antes do fim do ano e veio um substituto novato, que nos aconselhou a comprar um livro didático da disciplina (na época, os livros não eram gratuitos no ensino público). Lembro que ele era anarquista e rockeiro, Leitor do Nietzsche. Conversava conosco, mas também não tinha o tom professoral que julgo ser fundamental para todo o docente. Ele chegou. inclusive, a comprar um jaqueta de couro velha, que estava a venda no brechó de garagem da minha mãe. O vi mais duas vezes. Uma, na Fuvest, acho que de 2008 ou 2009, onde se não me falta a memória, ele estava prestado letras (e eu jornalismo ou geografia, depende do ano). Da outra vez ele era mesário na seção eleitoral em que voto.
No segundo e terceiro anos do Ensino Médio tive aula com um professor que tinha uma excelente formação e boa leitura. Era formado na Unicamp. Era do interior, Não lembro se de Campinas mesmo. Um esquerdista típico do petismo de raiz. Eu sempre conversava com ele, mas ele pouco explicava para a sala. Tenho guardadas as xerox da suas aulas até hoje.
Nenhum desses professores da disciplina em que sou formado me serviu de inspiração para dar aula. As minhas duas inspirações vieram de três geógrafos. Um da quinta série, outro da sétima e mais um da oitava e do primeiro ano. Pessoas legais. Foram meus modelos. Dois deles ainda dão aula. Um já se aposentou. Na quinta série o professor fazia conosco vários quizes e nos dava bombons de prêmio. Era desafiante. Eu adorava essas disputas pelo conhecimento sobre capitais, moedas, acidentes, relevos, climas e afins. Na oitava e no primeiro, o professor era uma voz com quem eu podia dialogar sobre temas das ciências humanas e da política com um pouco de seriedade. Eu era ouvido por uma pessoa de vasto conhecimento enciclopédico e de notável organização. Em parte da sétima série tive o professor mais disposto: mais um esquerdista daqueles do tipo antiamericano, mas eu adorava ler os textos que ele passava na lousa sobre a "invasão cultural norte americana", até da letra dele eu me lembro e me lembro também que eu mesmo imitava esse tipo de letra.
No metrô, algum dia, eu ouvi dois rapazes comentando sobre uma aula. Um deles falava sobre um professor de história, que arrisco dizer, havia ministrado uma explanação sobre a Primeira Guerra Mundial. O sujeito falava sobre esse docente, que imitava um sérvio bêbado. Pensando bem, talvez fosse um professor de geografia mesmo, falando sobre a Guerra da Bósnias e o malfadado Slobodan Milosevic. De todo modo, aquilo me levou a fantasiar sobre um professor, trajando um terno cinza mal ajanbrado, imitando um sérvio alcoolizado com razões pedagógicas. Foi um modelo docente que me serviu de inspiração, mesmo sem saber quem seja tal pessoa.
O professor precisa ter algumas qualidades. Uma visão integral do conhecimento e das ciências. Vasta cultura. Oratória, para saber modular a maneira como emposta a voz e faz com que a narração e a explicitação dos fatos não se torne monótona. Precisa também saber a hora de parar, o momento em que o Tratado de Versalhes precisa ser explicado com uma piadinha sórdida sobre os alemães. Uma vocação, claramente.