Certa vez, dava eu aula em uma determinada escola estadual. Esse colégio desfrutava de uma considerável fama positiva na região, como sendo uma escola muito rígida, onde imperavam certos padrões que hoje caíram em desuso na maior parte da rede estadual de ensino, como o uso de uniforme, fazer fila na hora da entrada, cantar o hino nacional ou rezar a oração do Pai Nosso. Centros de educação pública onde isso ainda ocorre não são a regra, mas completa exceção.
Dar aula em escola onde, pretensamente, impera um certo modelo tradicional, amarrado aos moldes da educação do passado, as vezes é bem mais difícil do que lecionar em colégios mais flexíveis, onde a direção da escola costuma fazer vistas grossas para todas essas tradições e dar mais liberdade para que o professor, dentro das quatro paredes que fazem uma sala de aula, tenha mais liberdade para dar da maneira que lhe aprouver.
Tive essa experiência. Escolas públicas onde o tipo de aluno médio presente é o pobre com ares de classe média são as do pior tipo. Plínio Salgado disse uma vez que a burguesia, antes de constituir-se como classe social é um estado de espírito. Nada mais correto. O estado de espírito do jovem pobre (não miserável) ou de classe média baixa é o mais burguês possível. Hedonista, individualista, sem capacidade de olhar a sociedade e buscar compreende-la. Este jovem não liga para a politica, mas tem todos os velhos ranços burgueses, conseguindo ser, ao mesmo tempo, reacionário no que toca a sua vida privada mas progressista quando externa sua opinião e participa como eleitor numa eleição.
Numa determinada turma, desta determinada escola que dei aula e que não citarei o nome, eu tinha diante de mim uma classe que parecia ter saída direto do estúdio do PROJAC, da Rede Globo no Rio de Janeiro. Eu chamava naquela época, ao comentar com alguns outros colegas professores (aqueles professores pelo menos que não padeciam das mesmas moléstias de espírito dos alunos) que aquela sala é a "Classe Malhação", em alusão direta à novela juvenil da Vênus Platinada.
Eram alunos de uma capacidade intelectual pouco desenvolvida. Não conseguiam desenvolver em um patamar satisfatório as habilidades e competências que se pode esperar de um jovem de 14 anos. Grandes dificuldades para ler e compreender textos simples dos livros didáticos, tampouco produziam algo escrito que pudesse ter algum valor. Enfim, boçais.
Estes boçais, contudo, tinham pais e estes progenitores possuíam os mesmos defeitos de sua prole: a arrogância, a soberba, o egoísmo, o vazio cultural e espiritual. Uma pura nata pequeno burguesa, que ao mesmo tempo em que se sente superior aos demais por andar em um carro do ano, modelo 1.0 financiado em 72 vezes também se delicia vendo o programa do Luciano Huck, quando não tem por programa vadiar em shoppings centers.
Uma sala que nada produzia, mas por seu perfil, atraia especial atenção da direção da escola, que sabia que aquela turma, considerada letra "A" teria que ser a elite do colégio e responsável por alavancar os índices nas provas e avaliações que o governo faz (o saresp), que é aquela prova que faz com que os professores possam a vir ganhar um bônus em seus salários no ano seguinte. Um conjunto de crianças sobre a qual se depositava tamanha expectativa não poderia ter tantos defeitos como os que eu aqui relato. Isso era o que a diretora e sua vice pensavam. Nesses casos, a corda sempre acaba arrebentando para o lado mais fraco, o professor novato.
A conversa vai ser sempre a mesma: "o professor não consegue dominar a classe"! Quando não o diretor é mesmo capaz de falar que tem aluno que sabe mais do que o professor (há, mas é raríssimo, não por mérito dos pouco qualificados docentes, mas por deficiências ainda maiores dos alunos).
Foi um ano, com salas que me davam desespero. Não há outro sentimento a descrever senão o desespero diante de uma indagação, do que fazer com alunos tão ruins, imaturos e soberbos. A saída, por divina providência, foi não mais dar aula para estes indivíduos. Não guardo praticamente nenhuma memória positiva dos alunos que tive no ano de 2013, nem da escola onde trabalhei naquele ano.