segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O cenário eterno.

 Um amigo está se preparando para ir morar nos Estados Unidos. Seguindo o já manjado caminho de imigrante que vai com a cara e a coragem. Me convidou para ir junto e embarcar nessa aventura. 

Confesso que conhecer os Estados Unidos sempre foi uma ideia que rondou a minha mente com alguma recorrência. Nada de Nova Iorque, Miami ou Los Angeles, ou ainda Newark, lugar apinhado de brazucas por todas as partes. Me interesso pela América profunda, pela América branca que elegeu Trump presidente quatros anos atrás.

Cidades pequenas ou médias (ou mesmo grandes para o padrão americano, como Boston, Houston ou Atlanta) sempre me chamaram a atenção em filmes e seriados. NY? Já tenho São Paulo com a mesma cara. Prefiro a minha terra bandeirante mesmo.

Não sei se teria a coragem para emigrar. Não tenho o perfil de profissional que esses países precisam. Sou burocrata público e professor. Que faria na América? Jardinagem, garçom, carregador de caixas, pintor de paredes? Não se encaixa muito no meu perfil. 

São Paulo tem muitos defeitos e as soluções não se aproximam no radar: trânsito, transporte público deficitário, habitação, criminalidade, carestia e favelização. Tudo isso é real e uma realidade que compartilhamos com toda cidade média e grande do Brasil. 

Hoje ainda prefiro apostar no ritmo lento que a vida tem se encaminhado pra mim. A possibilidade de ascensão na carreira do funcionalismo, a chance de empreender um pequeno comércio. Comprar um apartamento pequeno e um carro seminovo. É aquilo que hoje se entende de classe média nesse país. E pensar que onde moro todos éramos de uma antiga classe média, de pais e avós funcionários de indústrias, que tinham uma renda e um poder aquisitivo bem maior para uma denominada classe média do que hoje uma dita middle class tem. 

Ao contrário dos ansiosos, que veem os dias se passando de maneira muito lenta, para mim, todo dia é como o outro e voa, passa como um conto ligeiro. Meu feriado de finados teve quatro dias e parece na minha cabeça que apenas o primeiro dia passou (quando, na verdade, o feriado começou na sexta e hoje é segunda a noite).

Fernand Braudel, o historiador das longas durações.

Já registrei aqui: a minha vida é marcada pela lentidão das decisões e das mudanças. Tudo é tardio. Exceto o tempo, pois esse passa muito rápido. Eu invejo quem consegue ver seu tempo passar mais lentamente. Três décadas já se foram. Muitos dias se passaram e as coisas, apesar de todas as mudanças e transformações parecem estar mais ou menos no mesmo lugar. O Diogo Mainardi fala que o Brasil é como um desenho da Hanna Barbera, onde só mudam as ilustrações dos personagens em ação, mas o fundo onde se passa é sempre o mesmo. A minha vida é como um desenho da Tartaruga Tuchê ou da Formiga Atômica, ou ainda do Pica Pau. Os episódios tem sempre o mesmo cenário: a mesma casa, as mesmas pessoas, as mesmas roupas, tudo é rápido em volta mas o cenário permanece lá, parado.

O amanhã será mais um dia. A próxima emenda de feriado já está na cara do gol. Tudo vai continuar se repetindo. É sempre o dia da marmota. Certo estão os historiadores que estudam as permanências e não as mudanças. Aquilo que dura vale mais do que o que se passa. O cenário é eterno. 

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