quinta-feira, 20 de julho de 2017

Nunca assisti Kiarostami

Quando jovem sempre lia algum encarte de jornalões que me parava nas mãos. O guia cultural da Folha ou do Estadão. Era uma espécie de revistinha, impressão também em papel jornal, que trazia as principais novidades da agenda cultural de São Paulo: novos restaurantes e botecos, peças de teatro em cartaz, musicais, concertos e shows e filmes em exibição nas salas de cinema de rua e dos shoppings centers. 

Na parte dos filmes, me recordo que uma presença sempre constante era a do diretor persa-iraniano Abbas Kiarostami. Via frames de seus filmes, sempre trazendo imagens belas e dramáticas do Oriente Médio, em uma época em que os Estados Unidos estavam encrencados tanto no Afeganistão quanto no Iraque. Eu, 14 ou 15 anos (talvez um pouco menos), conseguia fazer relações entre os filmes, que nunca assisti, desse diretor, com a situação geopolítica do Médio Oriente.

Ontem assistindo um filme dinamarquês de suspense policial (nada demais, mas gostei do silêncio nórdico, Departamento Q - Uma conspiração de fé) me recordei de buscar filmes cult, que apreciem o silêncio como recurso técnico e me lembrei de Ingmar Bergman e Persona, recomendado por meu irmão mas que não tive paciência para assistir e, na sequência, me lembrei também de Abbas Kiarostami. Fui ver sua filmografia e descobri que ele morreu no ano passado.

Não fiquei sabendo de sua morte. Ele era uma espécie de figura cult de intelectuais, que eu sabia que existia, que era comentado e assistido, como são lidos e comentados certos pensadores (Derrida, Foucault, Guatari e Deleuze). Nunca o assisti seus filmes assim como nunca li obra alguma dos filósofos citados. 

Escrevo sobre Kiarostami por que seu nome, de certa forma, faz parte da minha juventude. Faz parte como também fazem parte todas as demais memórias que tenho de lugares, pessoas, momentos, ruas, viagens de ônibus, minutos em que passei sentado em uma determinada cadeira, relacionamentos da escola e da igreja. É uma pecinha do puzzle do meu passado.

Quando escreve isso, o tempo passa e no quarto ao lado, minha mãe assiste a TV, vendo notícias, como também no passado fazíamos. Eu sou refém das sensações passadas da minha vida.

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