Entre aqueles que são envolvidos no meio eleitoral, seja trabalhando para partidos políticos ou candidatos, seja o pessoal dos institutos de pesquisas de opinião ou ainda a imprensa, há uma expressão que, volta e meia, retorna durante uma discussão. Trata-se do fenômeno do "voto envergonhado".
É possível definir o fenômeno do voto envergonhado como aquele em que o eleitor não se manifesta à favor do candidato durante o período de campanha, não dando sinais de que irá votar naquele candidato que não tem apreço de parte das pessoas do seu convívio, porém, no secreto da urna, o eleitor deposito o seu voto naquele candidato pouco apreciado pela opinião pública.
Eu diria que o voto envergonhado é aquele praticado pela extensa maioria da população.
O histrionismo por parte do eleitor está longe de ser novidade e é quase um sinônimo de eleições feitas para o homem massa. Os histriônicos sempre tereis no meio de vós! Ainda assim, ele não é o responsável solitário por viradas de votos. O voto é algo, normalmente, bem consolidado, pelo menos para cargos do executivo. O eleitor matuta em silêncio a sua preferência, vai lá e deposita com certeza. O mesmo não ocorre para cargos legislativos, onde a escolha é geralmente bastante irrefletida, quando não aleatória. Como mesário e depois assistente da justiça eleitoral pude ver várias vezes homens e mulheres catando um santinho na calçada para definir em quem irá votar, dois passos antes de entrar na escola. E ainda querem dizer pra mim que o voto não devia ser facultativo. Eu defendo que ele seja facultativo e censitário, não pela grana, mas pelo estudo. Tem determinado grau? Vota para vereador. Tem determinado outro grau? Vota para o resto. Como eleger juízes ou xerifes com uma massa de eleitores que vota drogada, bêbada ou simplesmente ignorante e fraca da cabeça? O poder não pode estar nas mãos da ralé. E nossa elite é uma ralé também, assinale-se.
Hoje tive um sonho lúcido, bastante lúcido.
Me vi em algum lugar do centro de São Paulo, como perto de algum beco no Brás ou nos Campos Elíseos, sendo acossado por uma turba de vadios insidiosos, uns com caras de drogados, outros de pilantras e golpistas. Me cercaram e, ao me desdobrar tinha em mãos um microfone e uma caixa de som. Eis que quando eu começava a proferir um incisivo discurso falando em resgatar São Paulo de volta aos paulistanos, limpando a cidade dos vagabundos que nos cercam, vi que os meus inimigos se dispersavam e algumas pessoas, idosos simples, pessoas humildes olhavam aquele bravo discurso, como se fosse do Ulisses Guimarães, do Franco Montoro ou do Mário Covas na campanha das Diretas Já, na Praça da Sé. Passado rapidamente o perigo eminente, uma e outra pessoa parava ao lado e cochichava: "olha, parabéns pelo seu discurso, nós precisamos mesmo resgatar São Paulo para nós".
Tomo o desfecho desse sonho como uma analogia ao caso do voto envergonhado.
Todo discurso político que seja considerado reacionário e radical, no sentido da restauração de uma ordem preexistente, tem acolhida, ainda que sorrateira e escondida, entre boa parte da população. Aquela frase sobre o triunfo dos maus quando os bons não se manifestam passa a fazer ainda mais sentido.
São Paulo foi invadida no século XX, especialmente a partir da década de 60, quando o tipo de migrante e imigrante que passamos a receber passou a ser a escória de outras partes, em grande parte (não na totalidade). Escória não em termos como os mais pobres ou mais simples, mas os piores, mesmo. Aqueles que tem os piores costumes, os piores hábitos, fugitivos não da seca, mas do trabalho firme, gente que procurava aqui um troquinho mais fácil para gastar em festas e bebidas ou drogas. E é assim que as favelas se tornam um tormento para o sujeito que é miserável materialmente e que precisa ali viver. Tormento dos tormentos deve ser para um trabalhador, uma mãe de família pobre que precisa conviver com a escória que se embebeda, se droga e faz farra todo o dia. Para esse trabalhador e trabalhadora decente, honesto e honrado eu desejo toda a sorte do mundo, independente de sua origem natalícia e que ele venha a prosperar materialmente e possa sumir do convívio grotesco dessa ralé, que por razões econômicas, ele é obrigado a conviver.
A ralé precisa ser domada, adestrada, pelas duas mãos do poder. A mão do estado, cuja fiscalização sobre o descumprimento de normas de postura deve ser severo. Severo com o pichador pego, severo com quem joga lixo em local inadequado (não só o papel de bala ou a bituca de cigarro, mas os indecentes que largam sofás velhos em esquinas ou os jogam dentro de córregos), severo com quem ouve música alta e perturba o sossego alheio. Severidade no combate à violência de todo o tipo. A outra mão, a do mercado, que pode criar valor forçando hábitos de consumo que alterem determinados padrões entre essa massa. O estado e o mercado são criadores de valores. A primeira mão, a do estado, se quiser, é a mais forte nesse jogo, sobretudo se o cérebro que comanda a mão tiver clareza de propósito (coisa que hoje falta).
São Paulo precisa ser limpa, renovada, reurbanizada, requalificada. A preocupação ambiental urbana precisa ser levada à sério. Não pode ser aceitável que as nossas represas, rios, riachos e córregos sejam somente esgotos à céu aberto. Não se pode aceitar que nada seja feito porque temos favelas ou outras construções nas margens desses mananciais. O estado tem que planejar uma saída firme para isso, com respeito às pessoas, mas pensando na cidade. O invasor de terras, que foi beneficiário de programa público de moradia não pode ser tratado senão como pilantra, caso volte ao estado pretérito de onde foi tirado. É uma maneira de se aproveitar da coletividade. Inúmeros são os casos de pessoas que receberam um apartamento da CDHU ou COHAB e os venderam para então retornar para as favelas, torrando o dinheiro com futilidades.
Ensinar educação financeira nas escolas é essencial. Não só sobre a virtude da poupança, o que é muito difícil em um país de baixíssima renda, como é o Brasil, mas também ensinar sobre o cumprimento das regras e posturas. Sem isso, não é possível fazer a reforma saneadora que São Paulo merece. Enquanto houver impunidade para invasor, São Paulo será terra sem dono. E, digo mais, os contrários que façam o favor de se botarem pra fora daqui.
Tudo o que aqui está dito ecoa pela cidade. Ainda que seja um eco inaudível. Mas haverá um dia em que esse rumor será ouvido em toda parte com forte alarido e São Paulo se reerguerá e será limpa em definitivo.